Especialista
diz que contágio pelas redes sociais ajuda a explicar o fenômeno da violência
autoprovocada
Cortar
a própria pele, bater em si mesmo, arranhar-se ou queimar-se. Este tipo de
comportamento traz problemas e questões que vão muito além da pele. A
automutilação tem sido cada vez mais frequente entre crianças e adolescentes e
acende um alerta aos familiares.
Para
o psicólogo clínico da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e
coordenador do projeto de extensão Qualidade de Vida Acadêmica (QVA): promoção
de saúde mental no contexto universitário, Éverton Calado, o contágio
pelas redes sociais - há jovens que publicam as lesões na internet e páginas
que incentivam a prática - ajuda a explicar o fenômeno da violência
autoprovocada, na qual se incluem a automutilação e as tentativas de suicídio.
"Pesquisas
confirmam esse crescimento, mas quanto a uma explicação causal ainda estamos
tateando em meio a muitas hipóteses. O excesso de virtualização da vida em uma
sociedade aceleradamente mutante, é uma delas; a queda e a falta de referências
simbólicas, a crise moral das instituições, o hiperindividualismo e a escalada
da intolerância são outras. Arrisco dizer que nossa preocupação seria entender
o porquê de tamanho sofrimento psíquico no mundo contemporâneo, do qual a
prática do "cutting" é uma manifestação por vezes preferencial do
jovem e adolescentes", explicou.
O
especialista também alertou sobre os sintomas do comportamento que, por vez,
pode ser a válvula de escape para dores emocionais. "Precisamos entender
sintomas como expressões, algo sendo dito, mostrado, o que implica haver alguém
capaz de escutar, acolher essa confissão de sofrimento. A automutilação é
resultante de uma angústia, um tanto quanto inominável, incompreensível, para
qual serve de escape e alívio, através da dor física. As feridas emocionais
vestem-se em comportamentos de se cortar, se bater, se queimar, se escarificar
etc., o que vem se tornar a uma experiência estranhamente prazerosa, de
satisfação, porque é compensatória", pontuou.
Éverton
Calado afirmou, ainda, que a automutilação tem um efeito de contágio, o que
explica em parte como a escola surge como um dos principais cenários de sua
ocorrência.
"Existe
uma associação clara entre esses fenômenos, mas não se trata de uma explicação
definitiva pela qual alguém se machuca sempre em função de ter sofrido
bullying, embora isso apareça com frequência. Carecemos de dados
epidemiológicos, de mais pesquisas acerca da autolesão que tem ares de
epidemia, e somente agora as autoridades estão atentando para isso",
disse.
"Sem
dúvida, a escola tem um papel crucial não somente na identificação e na
evitação desses comportamentos, mas na prevenção destes e isso é muito mais
desafiador, pois convoca o principal agente desse processo: a família do jovem
e do adolescente, cuja presença e apoio - ou sua falta - são determinantes para
que o problema "estoure" na escola, mas não tenha sido engendrado
naquele ambiente", completou o psicólogo.
"Alívio
momentâneo"
Leonardo*
- nome fictício usado para proteger a identidade - disse que a prática
da automutilação servia como um alívio momentâneo. O estudante, de 22
anos, começou a se mutilar em 2013, mas garante que a prática ficou no passado.
"A automutilação era uma forma de cano de escape, pois quando eu me
cortava, aliviava tudo. Era dessa forma que eu atingia o meu ponto de
paz", frisou.
O
jovem disse, ainda, que só veio entender o motivo dos cortes após ser
diagnosticado com depressão cerca de um ano depois. "O problema surgiu
devido a uma mistura de tudo que eu passei no Ensino Médio, além de passar um
tempo sem poder praticar atividades físicas por causa de uma cirurgia. Quando
eu percebi que isso era um paliativo, que eu só estava adiando um problema
maior, comecei o tratamento, transferindo o cano de escape pra outras
coisas", falou.
O
psicólogo Éverton Calado listou algumas formas de ajuda às vítimas de
automutilação. "Na escola ou fora dela, primeira e imediatamente forma é
escutar, escutar muito, com respeito, empatia e disponibilidade - e aqui é
preciso desmistificar que isso é tarefa ou habilidade exclusiva de
especialistas da área, como o psicólogo. Ao mesmo tempo, a família tem de ser
comunicada e a rede de apoio e proteção à saúde, acionada: conselho tutelar,
unidade de saúde etc., preservar a segurança da pessoa, buscar uma
psicoterapia, intervenção psiquiátrica ou na urgência, quando necessários
também é essencial".
Lei
sancionada
Bolsonaro
sancionou a lei que cria a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do
Suicídio
|
O
presidente da República, Jair Bolsonaro, sancionou a lei que cria a
PolíticaNacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio.
O
texto foi publicado no Diário Oficial da União no mês de maio. A lei cria
um sistema nacional, com estados e municípios, para prevenção do suicídio e da
automutilação e um serviço telefônico gratuito para atendimento ao público.
A
publicação ainda determina que a notificação compulsória destes casos deve ter
caráter sigiloso nos estabelecimentos de saúde, segurança, escolas e conselhos
tutelares.
Nesse
contexto, o Governo Federal, por meio do Ministério da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos (MMFDH) lançou, em abril, a campanha Acolha a Vida, visando à
prevenção do suicídio e da automutilação.
A
iniciativa é voltada a todas faixas etárias, com atenção especial para crianças
e adolescentes.
GAZETAWEB
Parabéns pela reportagem. Muito interessante.
ResponderExcluir